Histórias de Amor - Lição 12


Introdução
Com exceção da palavra “vida”, a expressão “amor” é o termo bíblico abstrato mais significativo. Pela sua natureza e riqueza de significado, não é fácil a tarefa de defini-lo em todas as nuances e variações.
Na língua portuguesa, o verbo “amar” (e a forma nominal “amor”) tem um significado extremamente amplo, especialmente em nossos dias: querer muito bem, sentir ternura ou paixão, afeição, dedicação, sentir prazer, gostar, praticar ato sexual (físico ou virtual), possuir, desejar, querer, etc.
Amor no Antigo Testamento
No Antigo Testamento, a palavra mais comum que traduz amor é a expressão hebraica ahab ou a variação aheb. Elas ocorrem cerca de 250 vezes tanto na forma nominal como na verbal. O termo denota um sentido de amor amplo, incluindo o amor romântico e legítimo entre pessoas, o amor fraternal e o amor divino. Sempre tem um sentido forte e intenso, com característica natural, espontânea (não de escolha deliberada), tanto de forma emocional como racional, de abrangência ampla e complexa. Tem o sentido de desejo, de possuir e de estar na presença do objeto amado.
A segunda expressão mais importante para amor no Antigo Testamento é hesed, denotando uma escolha deliberada de afeição e bondade, com um forte sentido de lealdade. Nas nossas Bíblias, hesed normalmente é traduzido por “bondade”, “graça”, “misericórdia” e “amor longânimo”. O termo ocorre mais frequentemente em Gênesis para expressar o amor humano. Em Deuteronômio é comum o sentido de amor a Deus. Também ocorre com certa frequência em Salmos e em Provérbios.
Outra palavra para expressar o sentido de amor no Antigo Testamento é haham. Traduzida normalmente por “amor” e “compaixão”, ela ocorre cerca de 26 vezes no texto hebraico. O significado da raiz da palavra é “nascido do mesmo ventre” e representa a ideia e sentimento do amor entre irmãos.
O significado mais comum dessas expressões é o amor fruto do relacionamento entre um homem e uma mulher. É obvio que o sentido possui uma conotação sexual, mas incluindo um significado de afeição, lealdade, admiração e desejo dentro dos limites das relações legítimas, como no caso de Isaque e Rebeca (Gn 26:67). Pode se referir a uma forma de amor que ainda está fora do âmbito de um casamento, expressando vontade de se casar e cuidar do objeto desse amor, como no caso de Siquém e Diná (Gn 34:3). É muito raro que o Antigo Testamento use o sentido de amor para um relacionamento baseado na luxúria e desregramento sexual (2Sm 13:1).
O sentido de amor como relacionamento sexual está mais presente em Ezequiel (16:33, 36ss; 23:5, 9, 22), mas aparece também em Jeremias (2:25) e em Oseias (3:1). Contudo, quando o Antigo Testamento deseja se referir ao ato sexual especificamente, é usado o termoyada, que é traduzido como “conhecer” e também a expressão sakab, que quer dizer “deitar-se”. Essa duas palavras realmente descrevem o “tornar-se uma só carne” e onde está fundamentado o voto de fidelidade matrimonial.
No livro de Cantares, a conotação do amor entre homem e mulher é complexo e abrangente, significando cuidado, romance, ternura, intimidade e sexo que brotam do íntimo (8:6). Algumas pessoas, movidas por pressuposições contemporâneas só enxergam o aspecto sexual e erótico que, inegavelmente, está presente no livro. Temos que observar, contudo, o caráter “adulto” de como o amor sexual aparece ali descrito.
É abundante no Antigo Testamento o uso das expressões alistadas como amor para definir os relacionamentos humanos numa ampla variedade. É usado para descrever o amor entre pais e filhos, como entre Abraão e Isaque, onde o verbo amar acontece pela primeira vez na Bíblia (Gn 22:2). É frequente para definir o afeto entre uma nora e sua sogra, como Rute e Noemi (4:15), entre amigos como Davi e Jonatas (1Sm 18:1; 2Sm 1:26), entre vizinhos (Lv 19:18) e até o afeto especial de um escravo por seu senhor ao decidir permanecer sob seu domínio (Êx 21:5). O termo é tão amplo em significado que pode definir o sentimento de uma nação por seu líder, como no caso de Davi e Israel (1Sm 18:16) e um rei vassalo (Hirão de Tiro) ao seu senhor (1Rs 5:1). Em Levítico 19:34, aparece o sentido indicado pela lei como recomendando amor ao próximo: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”. A lei deveria ser amada (Sl 119:97).
Há também ocorrências mais “vulgares” onde a expressão amor é usual: amor por alimento (Gn 27:4); amor ao sono (Pv 20:13); amor à prata (Ec 5:20) e às instruções (Pv 12:1).
Todas estas expressões hebraicas referidas acima também são usadas para expressar o amor de Deus para com os seres humanos. Na maioria das vezes o termo ahab é usado (Dt 7:8; 2Sm 12:24; Pv 3:12; Is 43:4). A palavra hesed enfatiza um relacionamento com base no concerto (Sl 36:7; Is 63:7; 2Cr 1:8). Raham, por sua vez, frequentemente expressa o sentido de solicitude que Deus tem para conosco (Sl 103:13). O amor divino revelado em Is 43:25 é considerado a maior expressão de graça de todo o Antigo Testamento. O amor do Deus verdadeiro é contrastado com o amor pretensamente manifesto pelos outros deuses, porque é um amor que procura, que sofre junto e é desinteressado.
No que diz respeito ao amor dos seres humanos para com Deus é usualmente presente no livro de Salmos. O salmista ama a Deus por causa de sua gratidão (116:1). O povo de Deus é exortado a amar a Deus em toda a sua plenitude (31:23; 145:20; ver também Dt 6:5; 30:6). Normalmente, esse amor advém como reação à iniciativa divina – Deus manifesta Seu amor e o ser humano o aceita ou o rejeita.
Na literatura grega clássica a expressão mais comum para caracterizar amor é eros, que é o amor sexual, sensual, impulsivo e espontâneo. Essa palavra tem sua origem na mitologia onde o deus do amor é Eros. A união sexual dos deuses mitológicos gregos era expressa nas mais variadas formas de culto pagão. Não é difícil compreender que as expressões na língua portuguesa “erótico” e “erotismo” têm sua origem no sentido clássico de eros.
Essa ideia grotesca e sexual de amor acabou por ter seu significado revertido pelos filósofos gregos, especialmente Platão. Para ele, erospassou a significar uma aspiração meramente contemplativa do divino.
É um equívoco dizer que agápe, cuja raiz tem sua origem “no mundo sem cor”, foi usada pelos gregos para definir o amor genuíno, essencial. Raramente essa expressão era empregada no grego clássico, pois indicava apenas o desejo de alguém ou de alguma coisa.
Temos que ressaltar, entretanto, que, a partir dos pais da igreja, houve uma idealização teo-filosófica do termo agápe, dando-lhe um significado de “amor essencial”, contemplativo e místico (a exemplo do eros de Platão).
É surpreendente observar que os tradutores da LXX (Septuaginta – a versão grega do Antigo Testamento, originalmente escrito em hebraico) ignoraram o termo mais comum para amor no grego clássico, eros, por causa de sua conotação acentuadamente sexual. Assim, em lugar do hebraico ahab e seus sinônimos, a LXX passou a empregar a expressão grega agápe. Dessa forma, a tradição judaica eliminou do texto bíblico a influência negativa de eros, que vai aparecer apenas uma vez na LXX, em Provérbios 7:18. Eros está totalmente ausente no texto do Novo Testamento e aparece apenas uma vez nos escritos de Ignácio, um dos pais da igreja do século 2. A LXX usa mais de 300 vezes a expressão agápe, que passa a ter, na cultura judaico-cristã, a conotação de um amor puro e verdadeiro, sentido que não estava presente no grego clássico.
Amor no NT
Como já deixamos estabelecido acima, pela influência da LXX, a palavra grega que expressa o amor erótico, com características meramente sexuais, não aparece no texto grego do Novo Testamento. Duas expressões verbais gregas se destacam para definir o sentido do verbo amar: phileo e agapao (e as formas substantivas agápe e philós).
Philós ocorre 30 vezes no Novo Testamento e expressa um relacionamento próximo, de amizade, estima e afeto terno (Lc 14:12; Jo 11:11 At 19:31). É o termo usado para expressar os “amigos do noivo” em João 3:29. Os discípulos são chamados de “amigos de Jesus” (Lc 12:4), assim como Abraão é chamado philós de Jesus (Tg 2:23) e Pilatos de philós de César (Jo 19:12).
O verbo phileo aparece cerca de 25 vezes no Novo Testamento, com vários significados. É usado para definir o amor parental e filial (Mt 10:37). Jesus amou Lázaro (Jo 11:3, 36) e os discípulos amavam Jesus (Jo 21:15-17).
Phileo é usado para expressar o amor de Deus por Seu Filho (Jo 5:50) e pelo Seu povo (Jo 16:27; Ap 3:19), mas nunca é usado para caracterizar a relação dos seres humanos para com Deus.
É curioso observar que, na expressão “discípulo amado”, usada pelo evangelho de João para definir o autor do evangelho, uma única vez é usado o verbo phileo (20:2) enquanto que nas demais vezes aparece o verbo agapao (13:23; 19:26; 21:7, 20).
A distinção entre o verbo phileo e agapao aparece de forma notável na perícope de João 21:15-17. Jesus inicia Seu diálogo com Pedro perguntando nas duas primeiras vezes: “você Me agapao?” A resposta de Pedro foi: “o Senhor sabe que eu phileo.” Para não deixar Pedro mais constrangido, na terceira vez que Jesus inquire o amor de Pedro, Ele pergunta: “você Me phileo?” e o discípulo responde pela terceira vez “tu sabes que eu phileo.” Assim como Pedro negou três vezes a Cristo, esse lhe questionou por três vezes a fidelidade que deve existir nas relações de amor.
O texto do Novo Testamento também usa três expressões derivadas do verbo phileoPhiladelphia (“amor fraternal”), philanthropia (“amor pela humanidade” – At 28:2 e Tt 3:4) e philarguria (“amor pelo dinheiro” – 1Tm 6:10).
A palavra mais comum no Novo Testamento para amor é agapao. Essa forma verbal aparece 137 vezes e a forma nominal (amor) é usada outras 116 vezes. O sentido da palavra é igual ao equivalente hebraico e é usado nos mais variados sentidos: de Deus para com os seres humanos, destes para com Deus e as relações entre o gênero humano. O termo cognato agapetós ocorre 62 vezes e é geralmente traduzido por “amado”.
Agapao é empregado para descrever a atitude de Deus para com Seu Filho, para com os seres humanos em geral (Jo 17:26; 3:16) e para com aqueles que tem fé em Jesus (Jo 14:21). É usado também para transmitir a vontade de Deus para Seus filhos em relação à atitude destes uns para com os outros (Jo 13:34).
O sentido mais pleno de agapao no Novo Testamento é o de expressar a natureza essencial de Deus: Deus é absolutamente amor e ama incondicionalmente (1Jo 4:8). Esse amor foi demostrado perfeitamente por Jesus (2Co 5:14; Ef 2:4).
Num sentido espiritual, os cristãos são convidados a replicar o amor de Cristo, pois o fruto do Espírito é o amor (Gl 5:22). O amor é manifesto pelo crente quando obedece a lei e os mandamentos (Jo 14:15, 21, 23; 1Jo 2:5; 5:3). Não podemos deixar de citar o famoso capítulo do amor: 1 Coríntios 13.
Por influência da Vulgata latina (texto bíblico em latim, reconhecido pela Igreja Católica como oficial), algumas versões mais antigas traduzemagápe por “caridade” (do latim caritas, que significa “afeição”, “amor”, “estima”).
O verdadeiro sentido do amor bíblico
Em nossos dias, o sentido de amor tem se tornado um clichê. Parece que todas as manifestações egoístas são interpretadas como formas de amor. Nossa preocupação “natural” e “normal” é ser o recipiente do amor, o objeto do que ama, mais do que realmente “amar” – “os outros devem me amar”, quase que por obrigação. São os “outros” que devem me fazer feliz. Filhos cobram amor de pais, pais de filhos. Essa é uma experiência muito comum entre cônjuges, onde um exige o amor do outro, isso sem falar na erotização do termo (“vamos fazer amor?”). Realmente, hoje, não é muito fácil definir amor. Para alguns, amor é “um aglomerado heterogêneo absurdo calculado para esmagar a anatomia do indivíduo que se torna intoxicado com seu poder abominável e irresistível”. Vejam essa definição: “amor é um sentimento que você sente quando sente que irá sentir algo que nunca sentiu antes”.
No sentido bíblico, no entanto, o amor é descrito por Jesus como totalmente destituído do “eu quero”, “eu desejo.” A verdadeira felicidade está “em” amar de forma desinteressada. Amar, biblicamente, é dar-se, entregar-se, servir o outro com extrema afeição. Amor é entrega! Aquele que pensa que amor tem que ver com “agradar a si mesmo” está objetivamente em oposição ao verdadeiro sentido do amor. “Deus amou o mundo de tal maneira que deu o Seu filho único…”(Jo 3:16). Assim, o amor bíblico é em natureza heterocêntrico (centrado no outro) em vez de egocêntrico (centrado em si mesmo).
Além de entrega, o amor ainda possui três elementos que completam seu significado: compromisso (fidelidade), intimidade (sexo, no sentido humano) e dedicação de tempo.
Quem ama, assume um pacto, um concerto, uma aliança de fidelidade, compromisso. O compromisso de Jesus, estabelecido antes da fundação do mundo foi o que O fez demonstrar o maior amor possível à humanidade na cruz.
O casal cristão deve entender que a verdadeira felicidade está em um entregar-se ao outro, especialmente nos momentos íntimos. É o esposo buscando satisfazer as necessidades de prazer da esposa e vice-versa. Quando o sexo é a busca da satisfação própria, egoísta, não é realmente originado no amor e não leva à felicidade.
Quem ama também dedica tempo. Tempo para os filhos, para a família. Tempo não é apenas medido em qualidade, mas, principalmente em quantidade.
Na definição paulina de amor em 1 Coríntios 13, o verdadeiro amante não busca seus próprios interesses (de forma egoísta) nem age inconvenientemente. Agir de forma inconveniente, de acordo com o original grego (askemoneo), é comportar-se de forma sexualmente abusiva, indecente e fora dos limites do amor verdadeiro. O abuso sexual ocorre não apenas quando há a imposição do sexo sobre alguém que não tem poder para resistir o assédio. É quando o sexo é praticado de forma egoísta.
Percebe-se no contexto de Efésios 5:21ss o sentido de amor que Paulo estabelece como genuíno entre marido e esposa. O marido ama (entrega-se) à esposa. Essa, por sua vez, se sujeita ao esposo. Amar e sujeitar-se são expressões sinônimas no contexto bíblico. Isto é, no verdadeiro relacionamento de amor, há uma inter-relação de entregas, de sujeições, em nome do amor. Percebam que no contexto, essa é a forma pela qual Deus ama Sua igreja e essa deve responder com o mesmo valor.
No Grande Conflito, a questão do amor é vital, pois o que não ama verdadeiramente não pode conhecer a Deus. Qual é, portanto, o grande objetivo de Satanás?
A grande acusação de Satanás é que Deus não possui uma natureza amorosa, que Sua lei representa Sua forma egoísta de manter a criação sob Sua sujeição. Faz de tudo para descaracterizar Deus como Criador, Redentor e Senhor, inclusive do sábado.
Naturalmente, se Satanás consegue destruir o significado do amor nos seres humanos, terá conseguido boa parte de seu intento. Assim, ele faz de tudo tanto para destruir a imagem do amoroso Deus como a prática do amor pelos seres humanos.
Em contrapartida, se minha compreensão do amor como um ato de entrega é que me traz felicidade, com muito maior facilidade terei a compreensão de Deus e Sua vontade.
O amor genuíno, cuja fonte essencial é Deus, é a única fonte de felicidade humana. Para um cristão, amor não é um clichê, é uma experiência de felicidade!
O Casamento cristão se difere dos demais
“Como todas as outras boas dádivas de Deus concedidas para a conservação da humanidade, o casamento foi pervertido pelo pecado; mas é desígnio do evangelho restituir-lhe a pureza e beleza” (Ellen G. White, O Maior Discurso de Cristo, p. 64).
“Alcançar a devida compreensão da relação matrimonial é obra da vida inteira” (Ellen G. White, O Lar Adventista, p. 64, 105).
Tanto a mulher como o homem se tornam verdadeiramente felizes não apenas por poderem desfrutar da intimidade um do outro, mas por poderem experimentar o verdadeiro sentido do amor bíblico. Vivendo sob um regime de intersujeição sob a perspectiva de Cristo, estaremos restaurando o sentido do casamento às suas dimensões edênicas.
O Amor verdadeiro deve ser tardio em…
desconfiar
condenar
ofender-se
expor
repreender
depreciar
exigir
atrapalhar
ofender-se
provocar
O Amor verdadeiro deve ser pronto em…
confiar
justificar
defender-se
proteger
suportar
apreciar
dar
ajudar
perdoar
conciliar

Edilson Valiante é formado em Teologia e atualmente é o Secretário Ministerial da União Central Brasileira.

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